13. Epistemologia Medieval
13. Epistemologia Medieval

 

Epistemologia em alguns autores 

Nosso desafio é apresentar, nesta pesquisa, o desenvolvimento da teoria do conhecimento nos principias representantes da filosofia Medieval: Aurélio Agostinho e Tomás de Aquino. Nossa perspectiva é tentar abranger o máximo do pensamento destes autores no que tange a esfera do conhecimento, como se dá à aquisição dele e quais os meios que viabilizam o conhecimento.Importa, sobretudo, anteciparmos que para os filósofos medievais, a verdade já estava dada na realidade, era expressão da “criação de Deus”, cabia, portanto ao intelecto a adaptação à verdade das coisas. Sob este aspecto, tanto Agostinho, quanto Tomás, optam defendem que o conhecimento se dá pelo uso da fé – sobretudo na concepção agostiniana por que a verdade é revelada aos homens – e da razão, enquanto instrumento que auxilia a busca da verdade que é o próprio Deus.No contexto político-cultural da idade média vive-se o modo de produção feudal que privilegia o trabalho servil e manifesta desprezo pela atividade manual.  Neste sentido a ciência não se desenvolve enquanto busca pela experiência. Na nossa pesquisa, procuraremos ligar o pensamento de cada autor, seja pertencente a patrística ou à escolástica, a seu contexto. Também dispomos de uma pequena biografia que nos ajudará a entender a vida de cada pensador.As páginas que seguem ao desenvolvimento destas pesquisas são instrumentos limitados. Para penetrar a fundo no conteúdo filosófico e – por que não dizer – teológico da corrente agostiniana e tomista é preciso muito mais pesquisa e esforço intelectual. Seguem-se alguns aperitivos para pesquisarmos, melhor o pensamento de cada autor. Somente assim aprofundaremos sua filosofia e teologia com maior rigor e competência, pois, neste trabalho, procuramos centrar-nos somente no que tange à esfera da teoria do conhecimento destes dois principais autores do período medieval.

SANTO AGOSTINHO

Santo Agostinho é uma das figuras mais interessantes de seu tempo. Africano, nascido em Tagastos – na Númibia, próximo de Cartago em 354 -, intelectual que antes de ser cristão aderiu à corrente dos maniqueístas, Santo Agostinho também tinha fortes características humanísticas. Muito jovem Aurélio Agostinho fez seus primeiros estudos na cidade onde nascera e, posteriormente, estudou em Cartago. Nesta época apaixona-se por uma mulher, tem um filho, Adeodato. Terminados os estudos, Agostinho leciona retórica e eloqüência. Também se dedica à astrologia e filosofia. Vai para Roma e, depois, para Milão onde se encontra com sua mãe, Mônica e conhece o Bispo, teólogo e orador Sato Ambrosio, de quem tem muita admiração e apreso. Descobre a superioridade das Escrituras Sagradas e, ainda não sendo católico, se afasta dos maniqueístas. Depois, Agostinho ingressa na Igreja como catecúmeno e a partir daqui vai aproximando-se cada vez mais do cristianismo. Depôs de se converter, a vida de Agostinho muda e ele passa a se dedicar integralmente a Deus e aos estudos das escrituras. A sua atividade intelectual é intensa e, este teólogo chega a ser considerado o principal representante da Patrística e um dos principais sistematizadores da teologia cristã. Agostinho morre em agosto de 430 em Hipona.A produção agostiniana foi intensa. As obras mais importantes são às referentes à dogmática e à teologia – e as que expõem seu pensamento filosófico, sobretudo nas Confissões (um livro autobiográfico), A Cidade de Deus (de caráter teológico e político). Nestas obras Santo Agostinho recolhe uma série de doutrinas helênicas, sobretudo as neoplatônicas. “Ele é bastante influenciado pelo pensamento de Platão e Aristóteles, mesmo por via indireta”[1].

Seu Pensamento e sua Teoria do Conhecimento

Santo Agostinho deixou formulado (indicando o caminho para sua solução) o problema das relações entre fé e razão, que será temática fundamental na escolástica. Ao mesmo tempo Agostinho demonstra sua vocação filosófica na medida em que, ao lado da fé, deseja ardentemente “penetrar e compreender com a razão o conteúdo da mesma”[2]. Mas Agostinho defronta-se com o problema dos céticos.O homem é o centro da filosofia agostiniana. Trata-se de indivíduo, pessoa, criatura especial de Deus. Trata-se de uma preocupação do “eu-singular”. A pessoa tem a ver com a vontade. Isso implica numa noção de liberdade – que nasce da vontade e é propriedade individual. O homem é reflexo de Deus. Os atributos de Deus são: Ser, Conhecer e Amor. O conhecer tende para a verdade. O conhecimento, neste sentido, é uma tendência para Deus, que é a verdade. Para demonstrar a existência de Deus Agostinho associa-o à verdade. A teoria platônica é, por assim dizer, muito bem aceita. No pensamento agostiniano a teoria da reminiscência platônica é substituída pela iluminação – que acontece quando concebemos que o homem é participante da Verdade Divina. Deus ilumina a vida do homem e o conhecimento se dá por iluminação porque Deus está em nós, somente o homem participa Dele. É importante considerar que Deus é entendido como a Verdade e a Perfeição do mundo. No plano do conhecimento das coisas Santo Agostinho tenta estabelecer uma relação entre fé e razão. Trata-se de solucionar o dilema de que uma se opõe à outra. Na concepção agostiniana a razão contribui para que a fé seja consistente que, como bem expressa Agostinho, “ninguém duvida que uma dupla força nos impele à busca do conhecimento: a autoridade e a razão”[3].

 É verdade que há uma submissão da razão à fé, porém, devemos entender que no período medieval a tentativa era de estabelecer um corpo doutrinário à mensagem de Cristo e, torna-se evidente que a fé ocupa espaço de importância maior se comparada com a razão. De qualquer modo, em Santo Agostinho, Deus cria o mundo do nada, neste sentido, o homem depende em tudo de Deus, inclusive para conhecer. É preciso a iluminação divina para que haja conhecimento da verdade das coisas. Some-se a isso a idéia predominante na idade me dia de que as coisas, a realidade existe por si só e, cabe ao intelecto adaptar-se à verdade que já se encontra na realidade, ou na criação de Deus. Outra noção importante no pensamento agostiniano é que as ideais são pensamentos de Divinos. Deus as põe no mundo incompletas, tal como sementes prestes a germinar. No homem estão presentes as sementes de Deus. Para fundamentar seu pensamento Agostinho inspira-se profundamente na filosofia platônica que como ele próprio o diz “[...] quanto às questões que devem ser investigadas criticamente pela razão, espero encontrar entre os platônicos o que não esteja em contradição com a nossa fé”[4].

Tomás de Aquino

Tomás era filho de uma família dos condes de Aquinos. Nasceu em Roccasecca em 1225. Depois de estudar artes na universidade de Nápoles, em 1244 ingressa na ordem de São Domingos. Posteriormente torna-se um notável intelectual da igreja e, sem sobra de dúvidas, Santo Tomás foi um homem puramente espiritual, toda sua vida foi dedicada ao trabalho de filosofia e teologia – ligada à religião. Era alguém de muita afeição aos amigos. Suas obras são bastante numerosas. Ele inspira-se me Aristóteles para fundamentar o a teologia cristã. Ele adapta à filosofia aristotélica ao cristianismo. Tal adaptação está exposta na sua principal obra, a Suma Teológica – um gigantesco tratado de teologia. Tomás morre em 1274. 

Pensamento e forma de Conhecimento em Santo Tomás

Podemos dizer que esta figura importantíssima para a Igreja católica é a síntese da escolástica. Ele retoma e se fundamenta em Aristóteles – do mesmo modo em que Agostinho se fundamentou em Platão. Santo Tomás deu ao pensamento aristotélico um caráter cristão, porém, as obras aristotélicas que Tomás lê são traduções Árabes (e por tanto sujeitas a influências mulçumanas). Tendo em vista que Aristóteles é um físico e, seu pensamento é, por assim dizer, materialista, o Deus apresentado por Tomás de Aquino é imanente. Sua filosofia privilegia – diferentemente de Santo Agostinho – a razão. Por isso é proposta as cinco vias, como provas da existência de Deus. Santo Tomás pensou as verdades de fé fundamentado em categorias da razão, daí podemos falar em Teodicéia[5]Na escolástica, Santo Tomás prova que alguém que não tem fé pode, por meio de argumentos racionais, admitir a existência de um motor primeiro que se gera a si mesmo e, atua como causa única de si, além de abarcara a finalidade de tudo. A teoria do conhecimento, no tomismo, acontece como decorrência da ontologia. Segundo Santo Tomás tudo que existe é ente e, portando, Deus é um ente. Deus e o mundo são entes em modos diversos (segundo o tomismo nem todas as coisas têm essência, diferentemente do pensamento platônico), as coisas se apresentam de formas diferentes. Sendo assim, o grau de existência de Deus é diferente da do homem. Deus é o Ser e o mundo tem o Ser. Cada coisa que existe participa do Ser de modo diferente. A essência é (causa formal). Apenas em Deus potência e existência co-existem. No mundo a potência e a existência não coincidem.Como conhecer? Deus se entende por meio de seus efeitos. Em Santo Tomás Deus é o primeiro na ordem ontológica mais não o é na gnosiologia. Quando nós nascemos, conhecemos o mundo (criação) e somente depois conhecemos a Deus. Portanto, o conhecimento se dá a partir da criação de Deus ou, noutras palavras, conhecemos a realidade e depois entendemos Deus. É a partir do mundo que se pode conhecê-lo. Para Tomás, o conhecimento passa por vários graus de abstração cujo objetivo é conhecer a imaterialidade. O primeiro esforço da existência abstrativa consiste em considerar as coisas independentemente dos sentidos e da noção que tiramos dele. O segundo esforço consiste em considerar as coisas independentes das qualidades sensíveis. No terceiro esforço tem que se consideraras coisas independentes do seu valor material. Assim chega-se ao objeto metafísico, que é imaterial, espiritual.Para o pensamento tomista o conhecimento das coisas se dá por meio do uso da fé e da razão. A grande maioria dos autores escolásticos opta pela razão.Podemos dizer que há dois campos distintos do saber: a teologia se funda na revelação divina e a filosofia, por sua fez, é uma atividade da razão humana. Houve que dissesse que é o homem que faz teologia, mas, a rigor, é Deus quem se revela. A teologia e a filosofia têm que ser verdadeiras, pois, Deus é a própria verdade e, a razão humana também pode nos levar à Verdade. É importante considerar que são duas ciências independentes, mas com um campo em comum. “Sua distinção decorre, antes de tudo, do objeto formal[6]”.

Mas no que diz respeito ao objeto material, tanto filosofia quanto teologia o necessitam. Segundo Santo Tomás existem dogmas revelados que podem ser conhecidos pela razão (exemplo: a existência de Deus e de muito de seus atributos), mas a revelação não é supérflua, pois “é impossível que a verdade da fé seja contrária aos princípios que a razão humana conhece em virtude de suas forças naturais (...) Deus não pode infundir no homem opiniões que vão contra os dados do conhecimento adquiridos pela razão natural”[7]. Desta maneira, nos casos em que é possível compreender racionalmente, isto é preferível do que usar a pura crença. Contudo, para o pensamento tomista a filosofia utiliza as luzes da razão natural, ao passo que a teologia se vale das luzes da razão divina manifestada na revelação. É indispensável, pois, considerar que “há distinção, mas não oposição entre as verdades da razão e as da revelação”[8], pois a razão humana é uma expressão imperfeita da razão divina, estando-lhe subordinada. Além disso, segundo santo Tomás, “o homem deve conhecer o fim ao qual dever ordenar as suas intenções e ações. Por isso se tornou necessário, para a salvação dos homens, que lhes fossem dadas a conhecer, por revelação divina, determinadas verdades que ultrapassam a razão humana”[9].

Por fim, entendamos que, tal como aconteceu com os gregos, à origem da filosofia para santo Tomás é um grande assombro. Ele é inspirado pelo aristotelismo e, é bem notável, que a maneira como acontece sua teoria do conhecimento é, por assim dizer, aristotélica num sentido cristão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos nos debruçar por um pouco do pensamento agostiniano e tomista. Nosso compromisso em ser fiel ao conteúdo de cada autor foi, pelo menos a principio, muito propício para fazermos uma breve e sucinta descrição e problematização da questão de como se dá o conhecimento no período medieval. Como vimos, no campo da ciência os instrumentos de trabalhos eram rudimentares: para conhecer os corpos só havia os olhos; para avaliar o frio e o quente, só havia a pele. A matemática não era um recurso muito utilizado – até por que faltavam teoremas e cálculos mais confiáveis para o desenvolvimento de uma pesquisa cientifica calcada na seguridade (?) matemática (o que só viria a surgir na modernidade). Some-se a isso a influência da religião na vida das pessoas e a impossibilidades de pesquisas que fugissem ao critério de fé da Igreja. O que resume bem as Idades Médias, no que tange a esfera da teoria do conhecimento, é aquela antiga máxima: “crer para conhecer e conhecer para crer”. Mesmo em Tomás de Aquino, com o esforço de explicar de modo racional como se dava o processo de aquisição do conhecimento, ainda temos uma superposição da fé à razão. Além disso, a autoridade da igreja barrava, como dissemos, o desenvolvimento de uma ciência que ultrapassasse ou fosse além das verdades reveladas. A ciência medieval não é experimental, tão pouco se utiliza da matemática – o que ocorrerá somente na modernidade. Por isso a ciência permanece qualitativa, como na antiguidade.Com tais situações foi impossível ter uma teoria do conhecimento avançada no sentido de explicação extremamente racional acerca das verdades, porém não podemos desmerecer o período da idade média como que um momento de “trevas” ou de improdutividade intelectual. Houve um grande esforço em se falar em conhecimento. O que podemos constatar é que a limitação do conhecimento estava na maneira, e não nos objetos. Era a fé que tinha a ultima palavra. O conhecimento último ocorria a parti do momento em que se aceitava, pela fé, as verdades sugeridas pela Igreja. Não havia um esforço racional (isento da fé e da autoridade da Igreja) em fundamentar o conhecimento da realidade, das verdades e dos sujeitos.