32. Shoupenhauer
32. Shoupenhauer

 

Como se sabe, o filósofo alemão Arthur Shoupenhauer nasceu em Danzig no século XVIII. Ele é um importante nome do irracionalismo e um precursor do existencialismo. Em sua vida, por causa do alto nível de conhecimento, experimentou o amargo da vida. Escreveu inúmeras obras, mas suas principais idéias estão contidas no “Mundo Como Vontade e Representação”. É neste livro, dividido em quatro partes (teoria do conhecimento; filosofia da natureza; metafísica do belo; e estética), que se encontra o cerne de sua filosofia. É claro que não se analisará todo seu pensamento neste ensaio textual.  A idéia é refletir, ou melhor, voltar o olhar, para três conceitos fundamentais da filosofia de Shoupenhauer e perceber sua importância na atualidade. Os três conceitos que serão utilizados são os seguintes: a noção de vida, de homem e de vontade. Sistematicamente, a abordagem se debruçará primeiro sobre o homem, depois sobre a vida para, em fim, chegar à noção de vontade. Essas definições – principalmente a de vontade – ajudarão a compreender algumas posturas e dilemas que se fazem presentes na vida das pessoas e, de modo geral, das pessoas menos instruídas[1]. Depois de voltar o olhar para as idéias de Shoupenhauer, que foram escolhidas, e refleti-las à luz do comportamento dos indivíduos desta época, o passo seguinte é estabelecer uma relação entre o que foi refletido com a música “Quereres” do cantor e compositor baiano Caetano Veloso. Feita essa breve introdução, cumpre ir ao tema e analisá-lo com seus respectivos conteúdos. 


Arthur Shopenhauer nasceu em Danzig, cidade considerada “livre” no dia 22 de fevereiro de 1788. Filho de um rico comerciante, Heinrich Shopenhauer, homem de grande integridade moral (embora violento, segundo seu filho)que era também banqueiro, conselheiro da corte e queria que o filho seguisse a careira do comércio. Há indício de que o pai de Shoupenhauer tenha se suicidado, pois seu corpo foi encontrado num canal de Hamburgo. A mãe de Shopenhauer se chamava Joana. Era escritora popular e romancista. Não se relacionava muito bem com seu esposo.Como dissemos, Heinrich Shopenhauer queria que o filho seguisse carreira no comércio. Por isso tratou de colocá-lo para estudar francês, na casa de um amigo comerciante que morava na França. Nessa fase, diz Shoupenhauer, “vivi a parte mais feliz de minha infância”.  Aprendeu francês a ponto de esquecer sua língua nativa. Mais tarde, também aprendeu inglês quando passou um tempo em Londres.Shoupenhauer não queria ser comerciante. Sentia-se inclinado para a filosofia, que considerava “a ciência dos verdadeiros sábios”. Estudou em colégios de padres; depois desistiu dos estudos e economia e, antes da morte de seu pai, viajou por vários países da Europa, aprendendo nesta ocasião o Inglês. Depois de ficar órfão, e não se entendendo com sua mãe, Shoupenhauer recebeu uma herança que lhe permitiu viver sem precisar trabalhar. Aliás, tinha certa repugnância pelos filósofos que “vendiam” suas idéias. É importante salientar que Shoupenhauer tinha temperamento forte, tal como sua mãe, com quem sempre se desentendia. Nas oportunidades de sua vida, tentou estudar medicina, mas desistiu do curso e dedicou-se à filosofia. Teve forte influência das idéias de Kant e Platão. Além disso, foi aluno de alguns dos grandes pensadores de seu tempo: Wolf, Ficher e Schlecermarcher, este último ardentemente hegeliano. A tese de doutorado de Shoupenhauer foi sobre a “Raiz Quadrada do Princípio da Razão Suficiente”. Ela foi tema de interesse de Goethe que, a partir de então, tornou-se grande amigo de Shoupenhauer – essa amizade foi rompida posteriormente. Ambos encontravam-se continuamente para discutir sobre o tema das cores.

A principal obra desse filósofo “O Mundo Como Vontade e Representação” foi escrita em 1819, mas só foi editada – com a ajuda de um amigo – no ano de 1848. Lecionando em Berlim, as aulas de Shoupenhauer eram pouco prestigiadas pelos alunos – ao contrário das aulas de Hegel que eram lotadas. Coisa que provocava inveja por parte de Shoupenhauer.  Ao fim de sua vida, esse filósofo viveu recluso e em extrema solidão na cidade de Frankfurt, sem muitos amigos. Aliás, durante toda sua vida teve poucos amigos, pois não cultivava muito suas amizades. Morreu em 1860.

 

Algumas idéias de Shoupenhauer 

Para compreender a antropologia (noção de homem) shopenhauriana é necessário entender sua noção de mundo. Em sua obra, Shoupenhauer afirma que o mundo é um fenômeno, uma representação, portanto, uma aparência que pode conduzir ao engano. Aqui se encontram algumas influências da filosofia kantiana. As formas do mundo são espaço, tempo e causalidade. Tal como na concepção de Kant (exceto a noção de causalidade), essas formas apriori ordenam e elaboram as sensações. É dessa maneira que se apreende o mundo. Mas é importante entender que no mundo existem objetos (orgânicos e inorgânicos) e, cada um desses objetos – inclusive o homem –, se manifesta como “vontade de ser”.  Dessa forma, os objetos do mundo são, por assim dizer, uma objetivação da “vontade se ser”. Sendo assim, o homem, como objeto no mundo, também se apresenta como vontade de viver. Essa vontade é ilimitada e apreendida pela intuição. Mas, é conveniente salientar que, por ser ilimitada, a vontade também é insaciável – por isso gera sofrimento. A única coisa que alivia a dor da vontade parece ser o prazer. Mas este é momentâneo e consiste numa cessação da dor. Destas breves considerações sobre o homem, o mundo e a vontade, a única conclusão que se pode tirar acerca da vida é que ela é sofrimento. A solução para acabar com a dor de viver é, segundo Shoupenhauer, a anulação da vontade. Porém, para que isso ocorra é necessário que o homem tenha consciência da realidade, do joguete que a existência lhe impõe, para, somente depois de tomar consciência, se preparar para a ascese que, por sua vez, só é possível mediante cinco etapas. Pode-se chegar à anulação da vontade, inicialmente, através da [1]arte ou da experiência estética. A natureza desta primeira etapa é a música. Para Shoupenhauer a arte faz com que a vontade torne-se objetiva. Trata-se de uma materialização ou coisificação do querer que possibilita a transformação da vontade em algo objetivado. Depois dessa etapa vem a [2]noção de justiça, entendida como o reconhecimento da vontade dos outros seres. Através da justiça é possível haver igualdade entre os seres. Quando isso acontece, avança-se para a terceira etapa: [3] a bondade. Aqui entra a ética da compaixão, face ao sofrimento de todos os seres. É importante que se tenha bondade quando se toma consciência da dor que a vida acarreta. É depois destas três etapas que começam as dificuldades. [4] A ascese, quarto passo, aparece como uma livre e perfeita castidade – a ponto de arrancar o homem do desejo de viver (inclusive do ponto de vista dos prazeres sexuais). É muito importante destacar que a ascese é livre; do contrário não seria possível avançar para a quinta etapa, [5] a monutas. Trata-se de uma cessação completa do querer, da vontade de vida a que nos referimos. A anulação do desejo de vida conduz o homem <> ao nirvana. Nele não há tédio, sofrimento ou angustia, pois já não existe vontade.

Relação entre os conceitos trabalhados e a realidade das pessoas

As considerações feitas, grosso modo, de alguns conceitos do pensamento shoupenhauriano ajudarão a cumprir o próximo objetivo deste ensaio textual: voltar o olhar para as pessoas e para a realidade atual. Os conceitos que foram trabalhados não serão re-explicados, visto que já se atingiu esse intento nas linhas acima. Pois Bem! Numa sociedade onde a maioria das pessoas tem sua subjetividade moldada pela “ordem capitalística que produz os modos das relações humanas, até em suas representações inconscientes: como se trabalha, como se ensina, como se ama, como se trepa, como se fala etc.”[2] é possível se perguntar acerca de como pensar uma anulação da vontade para se alcançar o nirvana? A resposta é bem categórica: as cinco etapas de Shoupenhauer parecem loucuras ou, como dizia o professor Cléverson Bastos, “masturbações mentais”[3] para alcançar algo que nem se quer é desejado sinceramente (o nirvana). Se fizer uma pesquisa séria – com dados estatísticos, empíricos ou com uma reflexão rigorosa sobre a realidade de como as pessoas pensam o mundo, a vida e a elas mesmas – constatar-se-á, pelo menos, três verdades sobre os temas abordados neste ensaio: 1) que o homem busca se realizar através do consumo de bens e pelo prazer imediato – por isso existe uma crescente procura por enriquecimento em curto prazo, apelo ao erotismo para saciar prazeres e a livros de auto-ajuda para aliviar sintomas de depressão, stress e falta de estima; 2) que a vida não é sofrimento (por mais contraditório que pareça, principalmente se nos fundamentamos em Shoupenhauer), mas gozação e azaração – por conseqüência, ocorre à banalização de valores imprescindíveis ao convívio social, tais como a confiança, o respeito e as relações de amizade e amor; 3) que à vontade, esta sim, continua ilimitada – mas, ao que parece (num mundo onde a tecnologia aproxima objetos e não indivíduos, onde a ciência aparece com Soluções salvíficas para patologias individuais ou sociais, e onde a religião consiste numa anestesia coletiva, cujo deus é privado e objeto de comércio) é quase impossível anular a vontade. Ainda mais se percebermos que já se tem – por causa dos avanços científicos e tecnológicos – quase tudo e em breve haverá muito mais: clonagem humana, turismo transgalaxais, teletransferências etc. A previsão que pode se ter é que, de vez em quando, nos faltará vontade de ter vontade – o que não consiste necessariamente em sua anulação!  Todas as três verdades que foram mencionadas servem para dizer que as etapas pensadas por Shoupenhauer para anular a vontade estão, na melhor das hipóteses, fora de moda. E, para usar da sinceridade, quase ninguém pensa (sinceramente e com atos concretos - afinal, ninguém conhece o coração e o pensamento das pessoas a não ser pelos seus atos. Sejam eles atos de fala ou de comportamentos!) em nirvana porque a onda é “curtir a vida”... A menos que se trate se alguns religiosos e pessoas de boa vontade que representam uma minoria... Na verdade, as pessoas não têm nem sentido de vida! Por isso buscam se apoiar no hedonismo, na religião do deus-privado, do tipo sentimentalista, na ciência salvífica e na tecnologia onipotente. O resultado dessa busca é, na maioria das vezes, frustração.Tem um senhor, no interior da Paraíba que dizia algo muito interessante: “desde que o homem é homem, ele sempre deseja o que não lhe merece <>”. Este enunciado guarda uma verdade que, de certa maneira, o cantor e compositor Caetano Veloso também concorda quando afirma que “os quereres e o estares sempre a fim do que em mim é tão desigual [...] faze-me querer-te bem, querer-te mal [...] infinitamente pessoal, eu, querendo te aprender o total do querer, que há e do que não há em mim...” Realmente: o querer humano é muito desigual, tão desigual que chega a ser contraditório. Mas a vontade também pode ser – além de ilimitada e insaciável, conforme sugeriu Shoupenhauer – “infinitamente pessoal”, projetada, pois queremos sempre aquilo que não temos. Por isso existe a angústia: porque o que falta no homem é possível encontrar noutros lugares (no nirvana, na ciência, na filosofia, etc), pois, como dizia o velho nordestino “o homem sempre deseja o que não tem”. É possível acreditar que talvez não seja o “querer” que provoca a angústia, mas o “não ter”