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57. Curvatura da Vara
57. Curvatura da Vara

 

Teoria da Curvatura da Vara – Demerval Saviani

 Para D. Saviani a abordagem política do funcionamento interno da escola de primeiro grau pode ser feita, pelo menos, de duas maneiras – focalizar a organização, em vista das atividades-meio. Dia voltam-se os olhares para o papel do diretor, suas relações com técnicos, orientadores, supervisores e, por fim, professor e alunos; outra maneira é abordar as atividade-fins, tematizando a maneira como se desenvolve o ensino. É por essa última maneira que Dermeval Saviani faz sua opção.

 

Sua abordagem é política e sustenta-se a partir de três teses, ou melhor, duas premissas e uma conclusão a despeito do tema. Primeira tese – do caráter revolucionário da pedagogia da essência e do caráter reacionário da pedagogia da existência.Segunda tese – sobre o caráter científico do método tradicional de ensino e o pseudocientífico dos métodos novos.Terceira tese [conclusiva] – quanto mais se falou em democracia na escola, menos democrática ela foi. Por outra parte, quanto menos se discutiu democracia, mais a escola se articulou para construí-la.Todas as teses, que tem implicações políticas, Demerval Saviani relaciona com sua idéia-chave, a curvatura da vara – frase usada por Lênin quando disse que quando a vara está torta é preciso, para endireitá-la, puxar para o lado oposto.Vamos, pois, explicar cada uma dessas teses para, por fim, relacioná-las com a teoria da curvatura da vara.Segundo Saviani, na Grécia antiga prevalecia a filosofia da essência, que por sua vez, não implicava em problemas maiores do ponto de vista político e, por conseqüência, educacional. O homem era tido como livre e, se havia escravidão, era porque o escravo não podia ser visto como homem.

 

Desse modo, a essência humana só era realizada no homem livre, que participava da vida política de sua cidade.No período Medieval a concepção essencialista sofreu notável modificação. A articulação entre essência humana com criação divina fez com que os homens, ao serem criados, já fossem pré-destinados. Daí porque eram comuns a aceitação dos privilégios do Clero, da nobreza e a manutenção da ordem social vigente. Desse modo, a sociedade era diferenciada pelos senhores e servos.Na época Moderna, com o fim do feudalismo e a ascensão da burguesia, seguido do surgimento do capitalismo, a classe burguesa emerge como revolucionária, defendendo a igualdade entre os homens e, com isso, criticando a nobreza e o clero. Lembremos que toda postura revolucionária é, por assim dizer, uma postura essencialmente histórica. Neste sentido, os burgueses, através de uma filosofia essencialista, defendem uma pedagogia de mesmo caráter, enfatizando a igualdade essencial dos homens.Mas a filosofia essencialista também se assenta na concepção de que o homem é livre e é essa liberdade que, para os burgueses, provocará a reforma na sociedade. Se as diferenças sociais, e de classes, configuravam injustiças e estas não poderiam continuar existindo, então, a sociedade fundada em senhores e servos não podia mais existir.É esse raciocínio, de que os homens são livres e, por sua vez, essa liberdade pressupõe uma igualdade natural, então os indivíduos podem, utilizando sua liberdade e na relação com os outros homens, mediar suas relações econômicas, sociais e políticas através do contrato social. A partir daqui transformam-se as relações sociais – por exemplo, no meio produtivo, o trabalhador servo, não mais vinculado a terra, irá vender sua mão-de-obra mediante o contrato. Do mesmo modo, aqueles que possuem terras vão contratar – ou não – quem quiser para trabalhar.É, desse modo, sobre essa base de igualdade que se estrutura a pedagogia da essência.

 

Da mesma maneira, sob essa perspectiva, a burguesia estruturou os sistemas nacionais de ensino, advogando a escolarização para todos.Mas a história evolui. A participação política das massas entra em contradição com os interesses da burguesia e, como se percebe, a história é contra os interesses burgueses. É por isso que essa classe social tentou negar o curso histórico e abdicou da pedagogia da essência, alegando que esta era atrasada, coisa dos medievais, e propõe a pedagogia da existência – esta legitimando as desigualdades... Nela os homens são considerados diferentes. Há aqueles que têm mais capacidades e aqueles que têm menos; os que aprendem rápido e os que são lentos etc.É nesse ponto que entra a tese 1. A pedagogia da existência tem esse caráter reacionário, contrapondo-se ao movimento de libertação da humanidade, legitimando as desigualdades, a dominação, a sujeição e os privilégios. A pedagogia da essência deixa de ter um papel revolucionário e dá lugar a existência. A isso soma-se a idéia, vinculada pela Escola Nova, de que o método tradicional não é científico, mas, por sua vez, os novos o são.Essa crença, veiculada pela Escola Nova, é algo totalmente falso, pois, como bem sabem aqueles que fazem um estudo adequado, o chamado ensino tradicional não é pré-científico e muito menos Medieval. Ao contrário, ele se constituiu após a revolução industrial e se ampliou nos chamados sistemas nacionais de ensino. Esse modelo, que falsamente é tido como retrógrado, surgiu após a revolução industrial.O que, de fato, a Escola Nova queria – ao estereotipar o ensino tradicional como pseudocientífico – era introduzir a ciência no processo educativo ou, como se dizia antes, colocar a educação à altura do nosso século.Como sabemos, o ensino dito tradicional, se estruturou através do método pedagógico expositivo, que possui cinco passos – 1. Preparação; comparação e assimilação, generalização e, por último, aplicação.

 

Tal procedimento corresponde ao que Bacon sugeriu para a pesquisa científica – a observação dos fatos, a formulação de uma lei geral e a confirmação da teoria científica através de experimentos. Mais uma razão de o ensino tradicional não ser, nem anticientífico, nem tampouco Medieval.Funciona assim – prepara-se os alunos recordando as lições anteriores, o que já fora conhecido; depois se apresenta um conteúdo novo que, comparado com o já conhecido, é assimilado [terceiro passo].  Quando o aluno assimila, pode generalizar os temas apreendidos para, na comprovação ou lição de casa, demonstrar que aprendeu de fato.No fundo, a proposta da Escola Nova [e aqui entra a segunda tese, que trata do método] era transformar o ensino em pesquisa. O que é impossível na opinião de Dermeval Saviani. Essa corrente tentou articular o ensino com o processo de desenvolvimento da ciência. Para transformar o ensino em pesquisa a Escola Nova também recorreu a cinco passos – a] o ensino como atividade; b] o surgimento de problemas a serem solucionados; c] levantamento de dados; d] formulação de hipóteses a partir dos dados; e] empreender, conjuntamente entre professor e aluno, experimentação que confirme ou negue as hipóteses.Como se percebe, o ensino proposto pela Escola Nova começa com uma atividade. É preciso resolver problemas. É com esse objetivo que professores e alunos devem sair em busca de dados dos mais diferentes tipos para, depois, acionar uma ou mais hipóteses explicativas para o problema levantado. Percebamos que, ao contrário deste, o ensino tido como tradicional se centra no professor, nos conteúdos e nos aspectos lógicos. Já os métodos novos se centram nos alunos. Neste se privilegia os processos de obtenção dos conhecimentos [por ser de pesquisas] e noutro se enfatiza o processo de transmissão dos conhecimentos já obtidos.Em sentido amplo a Escola Nova acabou por dissolver a diferença entre pesquisa e ensino. Cumpre-nos dizer que, para Saviani, o ensino não é um processo de pesquisa [que já pressupõe algum conhecimento anterior, antes de o pesquisador descobrir algo].

 

Querer assim transformá-lo é tornar o ensino artificializado. É por isso que esse autor acredita que este é um método pseudocientífico – existem, pois esses dois motivos que denotam essa falsidade científica... Primeiro, tudo que é desconhecido só se define por confronto com o conhecido. Logo, se não se domina o já conhecido, não é possível descobrir novos conhecimentos. Aqui reside a grande força do ensino tradicional – introduzia-se um novo conhecimento quando este era relacionado com o já assimilado; em segundo lugar, convém reconhecer que o desconhecido não pode ser definido em termos individuais, mas sempre sociais. Daí porque uma descoberta é inovadora e vale, por assim dizer, para toda a sociedade – sem que necessite de alguém, noutra cultura, conhecer aquilo que já fora descoberto por determinados povos.A última tese diz que quando mais se falou em democracia na escola, menos se teve, de fato democracia – ao passo que quando menos se discutiu esse tema, mas se construiu a base para o surgimento da democracia.Como vimos, a Escola nova abandona a busca pela igualdade entre os homens e dá ênfase à diferença entre eles. Tudo isso em nome da democracia. Hoje sabemos que essa democracia elencada pela Nova Escola serviu a um grupinho de pessoas. Saviani diz que não foi ao povo, nem aos operários e, menos ainda, ao proletariado que serviu essa corrente de pesquisa educacional. Ao contrário, o povão continua a ser educado à maneira tradicional. Tanto que os pais [proletários] das crianças pobres têm uma consciência muito clara de que a aprendizagem implica esforço e disciplina – por isso cobram dos professores que, mesmo não querendo, seus filhos devem aprender, criar o gosto pelos estudos. Neste âmbito, o papel do professor é garantir que os conteúdos transmitidos foram assimilados corretamente. Portanto, não precisa muito esforço para reconhecer que a Nova Escola não tem nada de democrática...No final de seu texto Demerval analisa a educação brasileira em dois períodos – a década de 1930, quando do surgimento dos movimentos populares que entendiam a escola como um lugar de participação política; e a década de 1970 por ocasião da reforma do ensino, instituída pela lei 5.692.Foi na década de 30 que a Escola Nova tomou força no Brasil. Havia, num primeiro momento, o entusiasmo pela educação e, num segundo, o otimismo pedagógico.

 

No primeiro momento a escola era vista, como dissemos, como sendo um instrumento de participação política. Somente quando os interesses da burguesia brasileira se chocaram com os da classe proletária é que surgiu o segundo momento, o do otimismo pedagógico.  Este segundo período nasce quando se acreditava que as coisas deveriam se resolver no plano da técnica – tendo em vista que a educação anterior a esta visão, não tinha adiantado muito aos olhos das elites, pois a classe trabalhadora um pouco instruída não havia votado nos representantes políticos que agradavam à classe dominante. Na verdade, os trabalhadores votavam nos menos ruins, já que não tinham muito espaço de representação nos partidos políticos.Mais uma vez, como no caso europeu, é quando os interesses da elite entram em choque com os da classe trabalhadora que passa-se da educação essencialista para a existencial. Com a Escola Nova foi possível aprimorar o ensino destinado às elites e o conseqüente rebaixamento do nível de ensino destinado às camadas populares.Com a ascensão do escolanovimso os movimentos populares foram enfraquecendo e, alguns deles, desaparecendo.Quanto à década de 70 Demerval confronta a referida lei, aos aspectos da flexibilidade dada ao processo educacional [realizado, agora, de acordo com a realidade, podendo, pois reduzir-se o primeiro grau de ensino de 8 para 2 anos, dependendo de cada lugar]. O único objetivo dessa lei era, para o referido autor, encaminhar para o mercado de trabalho e, em última instancia, conferir ao estudante o certificado formal – sem se preocupar com o conteúdo apreendido pelo aluno. Além disso, a lei 5692 determinava que o ensino nos primeiros 8 anos do primeiro grau deveria ser desenvolvido mediante atividades e áreas de estudos, o que na opinião de Saviani significou um enfraquecimento da qualidade de ensino para as camadas mais populares. Sua proposta é que se defenda a prioridade, não das atividades, mas dos conteúdos, que são fundamentais, afinal, sem conteúdos relevantes à aprendizagem deixa de existir. Nesta perspectiva, o lema da educação seria... prioridade de conteúdos para lutar contra a farsa do ensino.Segundo Saviani os conteúdos são primordiais para que os dominados dominem aquilo que os dominadores já dominaram – o conhecimento cultural que viabiliza a libertação.

 

Com efeito, o educador pode ser profundamente político em sua ação pedagógica. Além do conteúdo, é muito importante a disciplina, afinal, sem ela os conteúdos relevantes não serão assimilados.Mas, poderíamos nos perguntar sobre o por que da teoria da curvatura da vara. Pois bem. Como se percebe, Saviani inverte o processo – enfatiza como libertadora a educação tradicional em oposição à democrática. Mas ele não defende um retorno à pedagogia tradicional, mas a importância que tem que ser dada aos conteúdos. Daí resulta que é necessário em nossos dias, já que a vara pende para os interesses da Escola Nova, incliná-la para o lado oposto. Assim encontrará equilíbrio. Saviani puxou a vara para o outro lado. É assim que os conteúdos dão fundo à pedagogia revolucionária.