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48. Guatarri & Deleuse
48. Guatarri & Deleuse

 

Subjetividade – A partir de Guatarri 

Felix Guatarri propõe uma subjetividade de natureza industrial, essencialmente fabricada, modelada, recebida e consumida. Convém constatar que as maquinas de produção da subjetividade variam: desde as mais territorializadas (de etnia) até a produção industrial em escala – no caso do capitalismo. Essas máquinas injetam representações nas pessoas como forma de produção subjetiva. Por isso a criança passa a se vestir <> como adulto e, muitas vezes, o adulto passa a ser criança. Mas, constata-se também a existência de um constante processo de reciclagem ou formação permanente da subjetividade. É importante considerar que as forças sociais do atual capitalismo consideram – e muito bem! – a questão da subjetividade. O sistema entendeu que a produção de subjetividade talvez seja mais importante do que qualquer outro tipo de produção.

 

Os indivíduos se articulam no capitalismo e registram em seus corações as ideologias – expressas na maneira de ver o mundo, de se articular com o tecido social e com outros processos de trabalho que as pessoas têm. Desta forma, não é utópico pensar que uma mudança social no nível macro-político depende de um processo de construção da subjetividade. Este tema deve ser levado em conta porque a representação teórica ou ideológica é inseparável da práxis social e de suas condições para existir. Tudo é produzido pela subjetivação capitalista. Isso é possível por causa da linguagem, família, equipamentos que nos cercam, etc... Trata-se de sistemas de conexões (que se juntam com instâncias psíquicas) entre as grandes máquinas que definem a maneira de ver o mundo. Mas, é indispensável entendermos que podem existir outros modos de percepção do mundo – fora do que é imposto pelo capitalismo – que não necessariamente são caóticos. Pessoas com essas percepções tentam pensar outro tipo de vida, uma sociedade diferente do padrão imposto. Para Guatarri, nas relações de produção, desenvolve-se um tipo de trabalho que é, ao mesmo tempo, semiótico e material. A construção do trabalho numa perspectiva semiótica se dá, não só na escola propriamente dita, mas na educação, na família, na televisão e noutras instancias de formação da subjetividade. De qualquer forma, para Guatarri, a produção de subjetividade constitui matéria prima de toda e qualquer produção, pois ela se encontra no seio daquilo que se chama infra-estrutura produtiva.

 

Por isso a problemática micro-política se situa no nível da produção de subjetividade. Este autor chama de “trabalhador social” jornalistas, psicólogos, pedagogos, educadores e todos os que trabalham em comunidades de periferia que atuam, de alguma maneira, na produção de subjetividade. Esses trabalhadores sociais se encontram numa encruzilhada política e micro-política fundamentais. Podem fazer o jogo de reprodução de modelos impostos pelo capitalismo ou frear estes mecanismos. Para o profissional do social tudo dependerá de sua capacidade de se articular com os agenciamentos de enunciação (instancias freudianas do inconsciente, consciente e subconsciente. Tem a ver também com o desejo) que assumam suas responsabilidade no nível micro-político. É assim que entendemos que qualquer revolução em nível macro-político diz respeito à produção de subjetividade. Outra coisa importante é constatar que os indivíduos são o resultado de uma produção de massa. Eles são serializados, registrados e modelados – como se fossem mercadorias. Sendo assim, a subjetividade é essencialmente fabricada e modelada no registro social. O lucro capitalista é produção de poder subjetivo. O individuo é um terminal que se encontra na posição de consumidor de subjetividade. Ele consome sistema de representação, de sensibilidade. Usemos como exemplo a música. O que esta indústria faz é, literalmente, inventar um universo musical; inventa uma nova percepção.

 

Desta forma, existe um agenciamento coletivo de subjetividade que funciona a partir de uma linguagem criada como fato social. Convém entender que a subjetividade é essencialmente social, assumida e vivida por indivíduos em suas existências particulares. Essa vivência oscila entre dois extremos: alienação e opressão ou relação de expressão e criação.Guatarri discorda dos estruturalistas dizendo que não é verdade que são os fatos de linguagem, nem os de comunicação, que produzem a subjetividade. Ela é manufaturada, como o são a energia, a eletricidade ou o alumínio. O indivíduo está na encruzilhada de múltiplos componentes de subjetividade. Entre estes componentes alguns são inconscientes, outros do domínio do corpo. Outros ainda estão presentes na família, clã... Ou estão inseridos no domínio da produção de poder (lei, política etc.).Outro dado importante é que os sistemas de modernização dos romances estão sempre ligados aos sistemas de modernização do psiquismo. Isso nos mostra que a criação de mecanismos e sistemas são, por essência, dissidentes, transindividual e transcultural. A subjetividade coletiva não é resultante de uma somatória de subjetividades individuais.

 

O processo de singularização da subjetividade se faz emprestando, associando e aglomerando dimensões de diferentes espécies. Um primeiro nível de individuação é o fato de sermos biológicos, comprometidos com o processo de nutrição e de sobrevivência. Outro nível é o da divisão sexual: homens, mulheres ou homossexuais. Há também o nível das relações sócio-econômicas: pertencemos a uma determinada classe ou a outra. A singularização corteja diversos aspectos de integração e normalização... Desta forma, podemos dizer que a relação que se estabelece entre o ego pessoal e a pessoa social e jurídica fazem com que responsabilizemos a subjetividade. Assim sendo, quando Guatarri fala de processo de singularização e de subjetivação, não tem, por assim dizer, nada a ver com o indivíduo. Este autor concebe a subjetividade como produção e considera a tendência a bloquear processos de singularização e instaurar processos de individuação. Os homens assistem ao desmanchamento de seus modos de vida e passam a se organizar segundo padrões universais. Pouco a pouco, os homens vão se insensibilizando.

 

O Capitalismo Mundial Integrado afirma-se, em modalidades que variam de acordo com o país ou com a camada social, através de uma dupla opressão: repressão direta no plano econômico e social e a ocorre quando o Capitalismo Mundial Integrado instala-se na produção de subjetividade – sendo que ela deve ser nivelada, industrializada e produzida em escala mundial. Neste sentido, a produção da subjetividade é serializada, normalizada e centralizada em torno de uma imagem, de um consenso subjetivo referido e amparado por uma lei transcendental. Estes fatores fazem com que toda criatividade (do sujeito) no campo social e tecnológico tenda a ser esmagada e superada.É desde a infância que se instaura a máquina de produção de subjetividade capitalista. Algumas funções importantes da subjetividade capitalista são a culpabilização, a segregação – que é de cunho econômico diretamente ligada a culpabilização. Ambas promovem a identificação com quadros imaginários – e a infantilização, que diz respeito à idéia de que outros pensam por nós. Outros também organizam produção e a vida social. A infantilização (por exemplo, da mulher e do louco) consiste em que tudo que se faz, se pensa ou se tenta criar, seja mediado pelo ESTADO.

 

Para concluirmos, resta-nos indagar que a ordem capitalística é projetada na realidade do mundo e na realidade psíquica. Ela incide nos esquemas de conduta, de ação, de gestos, de sentimentos, de afetos etc. A ordem capitalística produz os modos das relações humanas até em suas representações inconscientes – no modo como se trabalha, se ensina, se ama, se trepa... Ela fabrica a relação com a produção, com a natureza, com os fatos, os movimentos etc. Fabrica a relação do homem com o mundo e consigo mesmo. O Capitalismo Mundial Integrado esvaziou todo o conhecimento da singularidade. Produz uma subjetividade que não conhece dimensões essenciais da existência, como a morte, a dor, a solidão, o silêncio, a relação com o cosmos e com o tempo. Há uma tentativa de eliminação daquilo que Guatarri chama de singularização. A ordem capitalística destrói antigos sistemas de vida. O que faz a força da subjetividade capitalística é que ela se produz tanto em nível dos opressores como no nível dos oprimidos. O que nos parece original, tanto em Guatarri quanto em Deleuze é o reconhecimento da produção da subjetividade como indústria de base do capitalismo.